Histórias

"(...) O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter. (...)" - Fernando Pessoa

3.11.05

Estória - II

Há uns tempos vi uma entrevista feita a uma escritora que, a dada altura, dizia ter os seus melhores momentos criativos quando passava por fases de tristeza ou de conflito interior. Afirmava ela que a dor a fazia reinventar-se, o que se traduzia em folhas e folhas de escrita que servia como forma de purgação.
A verdade é que até eu (que não tenho necessidade de passar por processos de criatividade) fico com menos que escrever quando a paz interior dá sinais de vida. A vontade existe mas, de um modo contraditório, parece que se quer contar tudo sem revelar demasiado. Para proteger; para cuidar o que nos é caro. :o)
"... ainda que eu tivesse tentado disfarçar, via-se no sorriso que os meus olhos esboçaram que aquele presente inesperado vinha de quem eu mais queria, apesar da surpresa. Os pormenores de um presente tão simples, num dia que significava uma cumplicidade secreta... Só podia vir de ti. Era uma túlipa - que descobriste ser a minha flôr favorita quando tivemos aquela conversa acerca do Keukenhof. Lembras-te?. Trazia um cartão: '... não sei se é amor; será talvez o começo. Não sei que mudança a minha alma pressente. Amor, não sei se o é, mas sei que estremeço, que adoecia talvez, de te saber doente' (Interrogação do Pessanha, que é um gosto comum). Percebi o sinal; estavas disposto a "baixar a guarda" e esperavas que eu também o fizesse. Tinhamos falado nisso uns dias antes; a cabeça mandou-nos dizer "se calhar é melhor não" quando o que queriamos era dizer que sim. Deixar andar. O jantar que se seguiu foi o pretexto para a conversa urgente e necessária, em que pusemos o coração na mesa com a sinceridade que nos foi possível. Estávamos dispostos a pelo menos tentar. O dois. Deviamo-nos isso. Hoje, a ausência do teu quente sempre que ficas longe já se faz sentir. '... Me deixe só até à hora de voltar...'".
M.