Nem tudo...
Não tenho pretensões de ser grande scriba e já por isso gosto de coisas que às vezes leio, escritas por pessoas a quem reconheço a capacidade de brilharem com as palavras. E encontro sempre quem me conte numa frase, numa poesia ou num pedaço de texto. Este, do qual plagiei alguns trechos, faz-me mais sentido que nunca. É como se quem o escreveu tivesse estado a viver dentro de mim por estes dias; por estes meses...
"... Tudo passa. O tempo parece que gesticula e aplica um truque de entorpecimento. Uma espécie de analgésico e anti-inflamatório de lentíssima mas segura acção.
Mas a verdade é que esta espécie de determinismo, de certeza absoluta assente nas qualidades dormentes do tempo, tem falhas. Porque o tempo também tem esta faculdade de dobrar-se e passar por cima de si mesmo. E se os instantes são únicos, e irrepetíveis, o mesmo não se poderá dizer do seu significado quando o tempo passa pelo mesmo local.
Julgo que a perda é passível de ser mascarada. Mas não passa. Não se esconde quando a memória é forçada a emergir perante o reconhecimento. E as recordações são péssimas visitas. São uma corja; parcelas mal educadas de tempo passado que resolvem dar as caras e mostrar as histórias...
E o tempo, ao passar por lá, traz-nos a importância de coisas que ficaram paradas em circuitos passados. Traz-nos os detalhes, a inevitável pergunta acerca do estado de coisas. Traz-nos os aromas de uma tranquilidade feita do que batia certo, do que nos constituia, e a real percepção intransmissível de uma dor pessoal, como no fundo, acabam por ser todas...
... Não há como expressar o toque certeiro de um aroma num instante que significou o mundo para nós, e apenas um detalhe para todos os outros. E fica então a expressão de uma solidão profunda...
Ser roubado de algo assim, tem sempre o sabor da injustiça, que é coisa má e complicada de erradicar... Quem fez parte da carne não pode partir nunca. E essa consciência está ali, nos amores que se têm que abafar pela sobrevivência contínua da pessoa em si, mas que nunca desaparecem, sob pena de injustiçar o que foi tudo a certa altura.
... Talvez tudo se rearranje. Se harmonize... Não há como explicar ao tempo que não aceitamos a panaceia que tem para nos explicar mal a perda do que parecia ser tudo...
Tudo passa, dizem.
Mas esquecem-se de uma coisa.
Ficamos nós.
E nós somos feitos de tudo o que nos constituiu, e não há tempo que explique que quem fez parte da carne não pode partir nunca...
Afinal de contas o que são as saudades senão a incompetência lenta do tempo reparador? Tudo passa? Não, nem tudo. Talvez seja melhor assim..."
Texto na íntegra em Estações Diferentes
Obrigada.
M.
PS - Parabéns a 2 pessoas também brilhantes... ;)
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